sábado, 1 de setembro de 2018

Caos no closet



No primeiro dia da estação mais quente do ano, os cabides, prateleiras e gavetas, subitamente começaram a se comportar de forma surreal, quebrando a monotonia do cômodo, outrora tão calmo e silencioso.

— Mas que chiffon é esse vindo lá do fundo? — quis saber uma blusa de poá vermelho e preto.

— Não sei de nada, poá. Cheguei faz poucos minutos — falou um roupão atoalhado, felpudo, macio, fofinho e com cheirinho de amaciante.

Curiosas, alinharam-se, esticando suas atenções na direção do tumulto. 

— Parece que os menos solicitados estão armando um tafetá sem caimento.

— Echarpe, não entendi nada do que disse. Como assim? O que eles querem?

— Dona Sthefany coloca no fundo do closet as peças menos usadas. E pelo ruído de rendas, veludos e paetês que chega até nós, estão por começar uma revolta.

— Na verdade, algumas peças estão fora de moda e sem uso faz tempo. Deviam ir para um brechó — disse devorê, entrando na conversa de modo agressivo.

— Você é um brocado metida, devorê! — reclamou musseline, fazendo um esforço com todas as fibras para não se rasgar de raiva. Não podia deixar sua leveza e transparência serem destruídas por tão pouco.

Irritadas, musseline e devorê se prepararam para o embate. Mas analisaram os estragos e em questão de segundos, recompuseram-se, e foram cada qual para seu cabide.

Porém, as reclamações continuaram.

— Faz dias que não chove. Estou cansada de ficar presa aqui — disse uma gabardine, bege de tédio.

— Você ainda tem chance de sair assim que chover. E eu que preciso esperar o inverno chegar — choramingou um casaco de pele sintética.

— Por falar em não sair pra rua... Há quanto tempo você não sai da gaveta, lurex?

— Ah, fica na sua, organza! Não tenho culpa se dona Sthefany não quer mais usar brilho metalizado. Mas já tive meus tempos de glória, viu? Ao passo que você...

— Com licencinha. Estão dando muito pano pra manga. Não sejam ásperas umas com as outras. Todas teremos nossa chance de brilhar — disse uma blusa de malha floral, querendo apaziguar os ânimos.

— Olha quem fala! Se achando "malha fina", quando na verdade não passa de uma simplória — provocou organza.

— É verdade. Sou comum e bastante popular. Mas vou a quase todos os lugares com dona Sthefany. Ontem mesmo fui ao shopping com ela.

Fez-se um silêncio angustiante. Retorceram-se por dentro de inveja. Ir ao shopping era o suprassumo dos sonhos de todos os ocupantes do closet.

Aproveitando-se do choque momentâneo, outra peça entra em ação: 

— Bom, não podem negar que eu sou a que mais passeia entre todas daqui. Já perdi a conta de quantas vezes fui ao shopping — disse uma calça jeans com pequenos rasgos, estilo destroyed. Faça chuva, faça sol. Inverno ou verão. Sou a mais versátil. Sou a queridinha da dona Sthefany. Aceitem que dói menos.

Novo silêncio se fez no closet.

Fios de ódio, inveja e tristeza, estampavam todas as texturas. 

— Quem dera eu fosse a preferida! — lamentou um vestido de linho. 

— Também, quem manda ser tão enrugada? — disse destroyed. 

— Que grossa! Não precisa ser tão antipática. Amassadas ou não, todas temos o nosso valor — falou uma blusa laranja modelo riponga, saltando da gaveta em defesa de linho.

— Tá falando como se fosse uma seda, mas não passa de uma viscose.

— Posso não ser um tecido nobre, nem o mais fashion, mas estou limpinha e bem passada. Ao contrário de umas e outras penduradas nos cabides da vida — revidou viscose, jogando a carapuça para quem quisesse vestir.

Ficaram elaborando uma resposta à altura, quando, de repente, Sthefany entra no closet. Tinha nas mãos uma roupa branca, vaporosa, esvoaçante, nunca vista naquele espaço.

Todas aguardaram ansiosas para saber qual seria a novidade. Esperaram.

E só entenderam do que se tratava quando a recém chegada foi exibida por inteiro num cabide e pendurada em destaque ao lado de um grande espelho.

— Um vestido de noiva?! Dona Sthefany vai casar? — falou destroyed, a primeira a se manifestar assim que a dona saiu. — Não!!! Meus dias de glória chegaram ao fim. Não tem como concorrer com um vestido de noiva. Ele vai reinar absoluto, mesmo que seja usado somente uma única vez — dramatizou, enquanto rasgava o jeans, mais e mais.

Ninguém tentou colocar panos quentes no desespero de destroyed. Ficaram olhando para o vestido de noiva (que mais parecia um vestido de princesa) e depois recolheram-se aos seus cabides, prateleiras e gavetas, deixando destroyed destruída no chão.





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9 comentários:

  1. sempre deliciosos os seus contos...uma leitura agradável onde nos identificamos com todos os itens do armário; somos nós neles e eles em nós!
    Um abraço

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  2. Oi Rosa

    Adorei seu conto em "figuras de linguagem", ficou divino e a briga foi engraçada.
    Beijos
    Lua Singular

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  3. Imaginação e muita sensibilidade na atenção posta nos "actos e ditos".
    Um Conto que dá que contar.
    Parabéns, Amiga.


    Beijo
    SOL

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  4. Oi, Rosa!! Mas que delícia de texto, amiga, quanta criatividade essa conversinha entre as "madames" do armário! E como se 'pinicaram' essas fofoqueiras...
    Adorei!! Você sempre em grande estilo.
    Beijo!

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  5. Será mais ou menos assim dentro de pouco tempo lá em casa.
    Beijo

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  6. Interessante essa personificação das peças de roupa. Quanta criatividade!
    Beijinhos

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  7. Sempre suava... sempre agradável... sempre conduzindo pela mão, até o ponto final. Como é gostoso de ler..!

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  8. Olá, Rosa, para uma contista de talento, como és, não é necessário grandes espaços para que nele crie personagens importantes desse belo e criativo conto, pois nada mais seria preciso do que um roupeiro, cheio de roupas intrigantes, ciumentas umas, invejosas outras, e outras bondosas. Um conto singular que muito me agradou.
    Parabéns, minha amiga.
    Abraços e um bom domingo.
    Pedro

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  9. Olá Rosa, td bem?

    Eu queria te agradecer pelo comentário no meu blog e dizer que voltarei com mais calma para ler o seu conto!

    Te desejo uma ótima semana!
    Bjs

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