No primeiro dia da estação mais
quente do ano, os cabides, prateleiras e gavetas, subitamente começaram a se comportar
de forma surreal, quebrando a monotonia do cômodo, outrora tão calmo e
silencioso.
— Mas que chiffon é esse vindo lá
do fundo? — quis saber uma blusa de poá vermelho e preto.
— Não sei de nada, poá. Cheguei
faz poucos minutos — falou um roupão atoalhado, felpudo, macio, fofinho e com
cheirinho de amaciante.
Curiosas, alinharam-se, esticando
suas atenções na direção do tumulto.
— Parece que os menos solicitados
estão armando um tafetá sem caimento.
— Echarpe, não entendi nada do
que disse. Como assim? O que eles querem?
— Dona Sthefany coloca no fundo
do closet as peças menos usadas. E pelo ruído de rendas, veludos e paetês que
chega até nós, estão por começar uma revolta.
— Na verdade, algumas peças estão
fora de moda e sem uso faz tempo. Deviam ir para um brechó — disse devorê,
entrando na conversa de modo agressivo.
— Você é um brocado metida,
devorê! — reclamou musseline, fazendo um esforço com todas as fibras para não
se rasgar de raiva. Não podia deixar sua leveza e transparência serem
destruídas por tão pouco.
Irritadas, musseline e devorê se
prepararam para o embate. Mas analisaram os estragos e em questão de segundos,
recompuseram-se, e foram cada qual para seu cabide.
Porém, as reclamações
continuaram.
— Faz dias que não chove. Estou
cansada de ficar presa aqui — disse uma gabardine, bege de tédio.
— Você ainda tem chance de sair
assim que chover. E eu que preciso esperar o inverno chegar — choramingou um
casaco de pele sintética.
— Por falar em não sair pra
rua... Há quanto tempo você não sai da gaveta, lurex?
— Ah, fica na sua, organza! Não
tenho culpa se dona Sthefany não quer mais usar brilho metalizado. Mas já tive
meus tempos de glória, viu? Ao passo que você...
— Com licencinha. Estão dando
muito pano pra manga. Não sejam ásperas umas com as outras. Todas teremos nossa
chance de brilhar — disse uma blusa de malha floral, querendo apaziguar os
ânimos.
— Olha quem fala! Se achando
"malha fina", quando na verdade não passa de uma simplória — provocou
organza.
— É verdade. Sou comum e bastante
popular. Mas vou a quase todos os lugares com dona Sthefany. Ontem mesmo fui ao
shopping com ela.
Fez-se um silêncio angustiante.
Retorceram-se por dentro de inveja. Ir ao shopping era o suprassumo dos sonhos
de todos os ocupantes do closet.
Aproveitando-se do choque
momentâneo, outra peça entra em ação:
— Bom, não podem negar que eu sou
a que mais passeia entre todas daqui. Já perdi a conta de quantas vezes fui ao
shopping — disse uma calça jeans com pequenos rasgos, estilo destroyed. Faça
chuva, faça sol. Inverno ou verão. Sou a mais versátil. Sou a queridinha da
dona Sthefany. Aceitem que dói menos.
Novo silêncio se fez no closet.
Fios de ódio, inveja e tristeza,
estampavam todas as texturas.
— Quem dera eu fosse a preferida!
— lamentou um vestido de linho.
— Também, quem manda ser tão
enrugada? — disse destroyed.
— Que grossa! Não precisa ser tão
antipática. Amassadas ou não, todas temos o nosso valor — falou uma blusa
laranja modelo riponga, saltando da gaveta em defesa de linho.
— Tá falando como se fosse uma
seda, mas não passa de uma viscose.
— Posso não ser um tecido nobre,
nem o mais fashion, mas estou limpinha e bem passada. Ao contrário de umas e
outras penduradas nos cabides da vida — revidou viscose, jogando a carapuça
para quem quisesse vestir.
Ficaram elaborando uma resposta à
altura, quando, de repente, Sthefany entra no closet. Tinha nas mãos uma roupa
branca, vaporosa, esvoaçante, nunca vista naquele espaço.
Todas aguardaram ansiosas para
saber qual seria a novidade. Esperaram.
E só entenderam do que se tratava
quando a recém chegada foi exibida por inteiro num cabide e pendurada em
destaque ao lado de um grande espelho.
— Um vestido de noiva?! Dona
Sthefany vai casar? — falou destroyed, a primeira a se manifestar assim que a
dona saiu. — Não!!! Meus dias de glória chegaram ao fim. Não tem como concorrer
com um vestido de noiva. Ele vai reinar absoluto, mesmo que seja usado somente
uma única vez — dramatizou, enquanto rasgava o jeans, mais e mais.
Ninguém tentou colocar panos
quentes no desespero de destroyed. Ficaram olhando para o vestido de noiva (que
mais parecia um vestido de princesa) e depois recolheram-se aos seus cabides,
prateleiras e gavetas, deixando destroyed destruída no chão.
Clique nos títulos abaixo para ler
outros contos no mesmo estilo:
>>Escândalo na adega<< >>Crise de ciúmes<<
sempre deliciosos os seus contos...uma leitura agradável onde nos identificamos com todos os itens do armário; somos nós neles e eles em nós!
ResponderExcluirUm abraço
Oi Rosa
ResponderExcluirAdorei seu conto em "figuras de linguagem", ficou divino e a briga foi engraçada.
Beijos
Lua Singular
Imaginação e muita sensibilidade na atenção posta nos "actos e ditos".
ResponderExcluirUm Conto que dá que contar.
Parabéns, Amiga.
Beijo
SOL
Oi, Rosa!! Mas que delícia de texto, amiga, quanta criatividade essa conversinha entre as "madames" do armário! E como se 'pinicaram' essas fofoqueiras...
ResponderExcluirAdorei!! Você sempre em grande estilo.
Beijo!
Será mais ou menos assim dentro de pouco tempo lá em casa.
ResponderExcluirBeijo
Interessante essa personificação das peças de roupa. Quanta criatividade!
ResponderExcluirBeijinhos
Sempre suava... sempre agradável... sempre conduzindo pela mão, até o ponto final. Como é gostoso de ler..!
ResponderExcluirOlá, Rosa, para uma contista de talento, como és, não é necessário grandes espaços para que nele crie personagens importantes desse belo e criativo conto, pois nada mais seria preciso do que um roupeiro, cheio de roupas intrigantes, ciumentas umas, invejosas outras, e outras bondosas. Um conto singular que muito me agradou.
ResponderExcluirParabéns, minha amiga.
Abraços e um bom domingo.
Pedro
Olá Rosa, td bem?
ResponderExcluirEu queria te agradecer pelo comentário no meu blog e dizer que voltarei com mais calma para ler o seu conto!
Te desejo uma ótima semana!
Bjs