Soraia
ficou atônita. Após trinta anos casada com Osvaldo, provava agora o gosto
amargo da traição. Acuado, o marido contou tudo, pois foi flagrado no ato, com
a boca na botija.
Para
Soraia, a visão da traição foi pavorosa, caindo nos olhos como um raio,
arranhando a confiança, rasgando o compromisso firmado, violando o pacto
sagrado consagrado no altar, torrando a aliança, tirando todo o brilho da união
tida por todos como uma união sólida. Jamais imaginaria um final assim para os
dois, pois viviam numa harmonia cotidiana.
"Sim,
nosso caso dura há dois anos, mas não significa nada pra mim", justificara
Osvaldo, banalizando o ato, rindo, diminuindo a moça ao pó, só piorando ainda mais as
coisas.
Soraia
não quis ouvir mais nada. Não importava os motivos. Tanto fazia falar agora
qual tinha sido o culpado, o pivô do ocorrido ou a raiz da traição. Não havia como colar os
cacos da confiança partida. Fim! Acabou!
Ficou
indignada, furiosa, irritada, magoada, machucada, mas não havia como passar por
cima daquilo. O amor compartilhado por tantos anos fora jogado fora. Todas as
palavras carinhosas, românticas, apaixonadas, ditas ao longo dos últimos anos,
ficavam agora bailando no ar, soltas no vazio, ao sabor da ilusão. A visão da
traição jamais a abandonaria. Não tinha como continuar a vida com Osvaldo. Os
filhos, os amigos, os vizinhos, a família toda... iriam culpá-la por colocá-lo
para fora, assim, só com a roupa do corpo, mas assumiria o risco. Trinta anos
juntos! Trinta anos arruinados.
Parada
na porta do quarto, com as mãos na cintura, Soraia assistia Osvaldo jogar todas
as roupas na mala.
Todos
os dias com olhos mansos, tranquilos, agora mirava Osvaldo com uma fúria
irracional. As garras afiadas prontas para atacar. Prontas para mostrar toda a
raiva acumulada. Com muito custo, controlou a ira. Não gritou. Tampouco chorou.
Só iria chorar após Osvaldo sair da casa. Tinha sido traída, mas tinha amor-próprio
sobrando para lidar com a partida do marido com as mãos limpas.
Osvaldo
faria falta. Soraia sabia disso. Acostumara com o calor do corpo do marido, das
suas mãos ousadas tomadas por calos, raspando nas suas como lixas, dos
suspiros, dos roncos, das cafungadas no ouvido, das suas manias chatas, da
gargalhada comprida, do som dos passos circulando nos cômodos, da barba
arranhando sua nuca, dos abraços longos quando tava muito frio, dos banhos
juntos, da mão máscula pousada com força na sua cintura... Ah! O lado
da cama vazio a faria custar para dormir.
Ia
chorar por não colocar mais as roupas do marido no varal, não costurar mais o
botão da sua camisa, não cozinhar mais a ambrosia do modo como Osvaldo gostava,
não tomar chimarrão junto todas as manhãs, da algazarra da família unida no
almoço aos domingos, das crianças disputando o colo do avô... Osvaldo assava um
churrasco como poucos. Os filhos não faziam um churrasco tão bom. Sim. Osvaldo
faria falta. Foram tantos anos juntos. Soraia gostava da vida a
dois. Como faria agora? Dava um frio na barriga imaginar uma rotina diária com
a falta do marido. Afinal, agradar Osvaldo ocupara muito das suas horas
diárias. Ficar sozinha após trinta anos casada, assustava um pouco. Sobraria
horas vazias como nunca sobrara. A partida do marido a fazia chorar agora, mas
tinha um lado bom visto por outro ângulo. Como tudo na vida.
Lá fora
chovia muito. Ruas alagadas. Casas inundadas. Trânsito caótico. Uma loucura!
Para
Soraia, o dia da partida ficaria marcado como o dia do dilúvio. Um dilúvio nas
ruas. Um dilúvio na sua casa. Um dilúvio na sua família. Um dilúvio na sua
vida organizada. Um dilúvio na sua confiança, agora asfixiada, morta, afogada por Osvaldo.
Assim
como a chuva lava o lixo das ruas, Soraia lavaria a
dor do impacto sofrido.
Lá no fundo ainda amava o marido.
Mas amava mais ainda
a si própria.
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Notaram?
O
"e" partiu, do nada, junto com Osvaldo.
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Genial!!Tu és demais! bjs, chica
ResponderExcluirOi, Rosa...nada é insubstituível!...pode-se fazer uma história sem uma pessoa ou uma letra. Você provou magistralmente.
ResponderExcluirUm abraço
Uau!
ResponderExcluirQuando cheguei no final tive que voltar para ler de novo e ver se encontrava pelo menos um "ezinho" para dizer: "Rosa encontrei um". Mas não encontrei. Adorei a história de Soraia e Osvaldo. Vontade de matar o Osvaldo.
Abrçs
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Lindo, brilhante...
ResponderExcluirTambém preciso deixar meu "e"...
Abraços =)
Nossa!!! Também reli tudo para descobrir um 'E' e voltar pra anarquizar...rssssss
ResponderExcluirGenial, jamais tive uma ideia assim!
Beijo!
É, Realmente notei a ausência do "e". Acredito ser necessária muita atenção e muita habilidade no emprego das palavras, para a criação de um belo conto como esse. Parabéns Rosa.
ResponderExcluirAbraços,
Furtado
Olá,Rosa...bacana , belos dias, abraços
ResponderExcluirCINCO ESTRELAS!!!!
ResponderExcluirMuito bem narrado.
ResponderExcluirBeijinhos
Precioso trabalho, composto e narrado com Mestria.
ResponderExcluirParabéns, Amiga.
Beijo
SOL
Muito interessante, Rosa. Parabens!
ResponderExcluirE q "homi" hein. Ui rs
É aquele ditado: "Melhor só do que mal acompanhado"
Grata pela sua visita naquelas Asas...
Beijinhos.
ExcluirBom dia, Rosa.
Estava logada no perfil do outro blog. Desculpe...
O blog que você visitou foi este: http://asasdosversosmeus.blogspot.com.br
Obrigada!
Rosa, vc sempre genial! Lindo seu conto e muito verdadeiro tb! bjs,
ResponderExcluirMais um texto espectacular... de leitura imparável... que nos prende a atenção logo na primeira linha... e a falta da letra E... é mesmo o toque de génio!
ResponderExcluirUm trabalho notável! Muitos parabéns, Rosa!
Beijinho! Boa semana!
Ana
Traição com 2 anos de duração não é um mero acidente...
ResponderExcluirUm belo conto, minha amiga.
Rosa, tem uma boa semana.
Beijo.
Rosa,
ResponderExcluirO amor é o sentimento mais lindo do mundo mas o mais débil também.
A traição é um dolo irrecuperável.
Felicito-a pelo seu lindo texto.
Oi Rosa! Passando para te cumprimentar e desejar muita paz e muita saúde para ti e para os teus.
ResponderExcluirAbraços,
Furtado.
Pois é, Rosa, os anos juntos, 30 anos, não se esquecem facilmente.
ResponderExcluirMas a vida não foi feita só para casais eternos. Sempre será encontrada
uma saída para ambos. Mas que é difícil, não há dúvida que é.
Um conto realista, do qual gostei muito.
Abraço.
Pedro.
Se a chuva tudo lava... Lavou dois anos e muito mais. Até levou o "e"!
ResponderExcluirNão sei existe alguma técnica para se chegar ao fim, assim. Dicionário ao lado? Muita paciência será necessária com certeza para levar a cabo a empresa.
Parabéns.