Eu estava com oito
anos, quando conheci Jean. Minha família mudou-se para um prédio bem ao lado da
casa dele. Tínhamos a mesma idade e frequentávamos a mesma escola. Diferente de
mim, Jean era um menino de rosto fechado e parecia estar sempre aborrecido com
alguma coisa. Como éramos vizinhos, desde o começo tentei fazer amizade, mas ele
nem olhava na minha direção. Aquele jeito emburrado me intrigava.
Fiquei amiga de outras crianças e todas me diziam para não dar bola, pois Jean nascera de mal com a vida. Porém, isso não me convencia pois eu não conseguia entender o motivo para tamanha irritação. Ele morava numa casa bonita, com uma família estruturada. Até uma bicicleta maneira ele tinha! Por que não sorria de vez em quando, pelo menos?
Resolvi tentar "ajudá-lo", depois de passados três meses sem vê-lo sorrir uma única vez sequer. Como é possível uma pessoa não sorrir, não achar graça de nada? Nem um sorrisinho amarelo ele dava.
Fiquei amiga de outras crianças e todas me diziam para não dar bola, pois Jean nascera de mal com a vida. Porém, isso não me convencia pois eu não conseguia entender o motivo para tamanha irritação. Ele morava numa casa bonita, com uma família estruturada. Até uma bicicleta maneira ele tinha! Por que não sorria de vez em quando, pelo menos?
Resolvi tentar "ajudá-lo", depois de passados três meses sem vê-lo sorrir uma única vez sequer. Como é possível uma pessoa não sorrir, não achar graça de nada? Nem um sorrisinho amarelo ele dava.
Eu e meus
amiguinhos nos reunimos e decidimos que devíamos agir. Meu vizinho precisava de
ajuda, urgente! Arquitetamos um plano infalível. Com certeza daria certo.
Sempre que alguém estivesse com ele, ou perto dele, contaríamos uma piada bem
engraçada. Não teria como ele resistir.
O primeiro escalado
foi Maurício. Contou uma piadinha de papagaio. Curtinha, do
tipo que faz a gente trazer o riso, sem ele querer vir. Bom, ao
menos conosco, porque se Jean sorriu foi por dentro. Os músculos da face nem se
mexerem. Que desconcertante! Teríamos que planejar melhor. Ele realmente era
duro de fazer rir.
No dia seguinte, foi a
vez de Pedrinho. Assim que teve oportunidade, lascou direto a pergunta:
—
Sabe a piada do Joãozinho?
—
Não! - respondeu Jean, desinteressado.
—
É assim, escuta só: “A professora pergunta pro Joãozinho, quanto são cinco
mais cinco? Ele pensa um pouco, conta nos dedos e responde: dez. Ah, não vale
contar nos dedos, diz ela. Coloca as mãos nos bolsos. Isso, agora responde,
quanto são cinco mais cinco? Joãozinho conta em silêncio e fala: onze,
professora.”
—
Já acabou? Então eu vou indo, porque minha mãe está me esperando - falou
Jean.
Incrível! Como não
achou graça da piada? Joãozinho conta os cinco dedos de um bolso, o tiquinho no
meio e os cinco dedos do outro bolso. Bobinha, é verdade, mas acho
engraçadíssima. A primeira vez que me contaram tive um acesso e quase me mijei
de rir.
É, teríamos que mudar de tática, o caso dele parecia mais grave do que pensávamos. Agora tornara-se um desafio, faríamos ele rir de qualquer maneira. Nem que tivéssemos de fazer cócegas.
É, teríamos que mudar de tática, o caso dele parecia mais grave do que pensávamos. Agora tornara-se um desafio, faríamos ele rir de qualquer maneira. Nem que tivéssemos de fazer cócegas.
Bem, não seria assim
tão simples, como descobrimos depois.
Durante a semana
inteira nos revezamos, contando piadas, dizendo bobagens, fazendo brincadeiras
do tipo "O que é uma bolinha
vermelha escondida atrás da porta? É
uma ervilha envergonhada!" Rá-rá-rá! Rimos todos, para ver se
contagiávamos Jean. Nada. Impressionante.
Combinamos fingir que
cairíamos no chão, escorregando em algo imaginário. Foi hilário. Fabinho fez
que escorregou em uma casca de banana inexistente e se estatelou de bunda no
chão. De novo, nenhuma reação. E olha
que foi bem na frente dele. Jean era um caso de internação. Não entendíamos
como a família dele não ficava preocupada, com tanta seriedade numa criança.
Ele tinha apenas oito anos e não ria de nada. Já estávamos pensando em desistir
de nossa intenção, pois tínhamos esgotado nossa cota de piadas, coisas
engraçadas e tal.
Um dia perguntamos:
"O que te deixa alegre, feliz, satisfeito? "Não sei, não me ocorre
nada agora" - respondeu ele, bem assim, como um homem sério,
sem ainda nem ter crescido para tanto.
Bom, talvez se a gente
levasse ele num circo, vendo as trapalhadas dos palhaços, a gargalhada que
estava presa se libertasse.
Levamos. E também não deu certo.
Levamos. E também não deu certo.
O fato é que fomos
desanimando. Não sabíamos mais o que fazer.
Assim foi que
desistimos e o deixamos em paz, pois nossa boa intenção já estava virando uma
perseguição. Quem sabe, com o tempo ele aprendesse a sorrir. Afinal, o
sorriso é nossa forma de expressar alegria de viver. E isso é algo que
acontece naturalmente.
Algumas semanas
depois, já tínhamos nos acostumado com a cara amarrada de Jean. Estávamos todos
juntos na frente da casa dele, papeando. "Bah, que coceira no
umbigo" - falei, de repente.
Para nosso espanto, Jean começou a repetir: "umbigo, umbigo, umbigo" e desatou a rir. Riu tanto que chegamos a ficar preocupados. Rimos juntos, feito um bando de crianças felizes. Como todas as crianças devem ser, não é mesmo?
Para nosso espanto, Jean começou a repetir: "umbigo, umbigo, umbigo" e desatou a rir. Riu tanto que chegamos a ficar preocupados. Rimos juntos, feito um bando de crianças felizes. Como todas as crianças devem ser, não é mesmo?
Dizem que até hoje ele
não pode ouvir a palavra umbigo que cai numa risada convulsiva.
Como é suave e gostoso ler teus contos...
ResponderExcluirAh, Bora ter 8 e 9 anos de novo... Bora fazer os Jeans sorrir coçando umbigos....!!!
Olá Rosa.
ResponderExcluirNão preciso dizer que a sua crônica está muito bem escrita, mas sim que, com ela, me vi nos bancos escolares, com alguns brilhos, alguma audácia e timidez. Não era desagradável frequentar as aulas, quando menino, mas el aguns dias era insuportável. Tudo muito instável, quando se está entrando na vida. Disso tudo lembro com saudade, e com tua crônica tive uma excelente ajuda para trazer de volta aquele tempo. Parabéns.
Abraço.
Pedro.
A sua história me prendeu, Rosa! Tb gosto de escrever histórias com crianças! Sabe, até eu ri do umbigo! Algo tão simples, o fez sorrir!!! Bjs, Mary.
ResponderExcluirOnde o riso do menino se escondeu? dentro do umbigo, lógico! como não pensei nisso antes? (rs). Um conto que renovou as antigas alegrias absurdas da infância. Nós as meninas quantas vezes ríamos tanto, tanto, de coisas incompreendidas pelos adultos!.
ResponderExcluirBem bolado!
Um abraço
Belíssimo conto.
ResponderExcluirUm óptimo conto com um personagem meio estranho.
ResponderExcluirBoa semana
Rosa Matos, amei seu conto! Fui professora de crianças por décadas e sempre gostei de lê as histórias dos paradidáticos junto com eles. O seu conto é ótimo... Parabéns...
ResponderExcluirOi Rosa!
ResponderExcluirSeus contos são adoráveis! Agora, vamos combinar... a palavra umbigo é engraçada, mesmo!! :-)
BOA SEXTA!
Oi Rosa!
ResponderExcluirOs dois médicos trabalham juntos, vou a outro médico ter~ça -feira.
Beijos
Minicontista2
Um conto que nos prende a atenção... por vezes demora, conseguir compreender os outros, ou o que os deixa felizes... mas existindo vontade... sempre se consegue.
ResponderExcluirO drama dos tempos modernos... é que as pessoas não têm tempo para se interessar pelas demais, e tentar compreendê-las...
Beijos
Ana