domingo, 19 de maio de 2013

Obsessão

by Tania-S deviantART

Quando Joana viu a foto dele no jornal, soube de imediato estar diante do amor de sua vida. Cabelos grisalhos, olhar inteligente, expressão tranquila e confiável. Um psicanalista renomado. "Que homem fascinante!" - pensou.

Depois disso, esforçou-se para concentrar-se no trabalho, mas logo vinha a imagem dele, fazendo seus pensamentos se perderem em sonhos impossíveis.   

Os dias transcorriam monótonos. Como um autômato, cumpria sua rotina enfadonha. Um trabalho tedioso e o retorno para uma casa vazia. Entre um e outro, a visão do médico a seguia.

Precisava fazer algo, não conseguia mais raciocinar direito, só pensava nele, o tempo todo. Pesquisou o telefone da clínica onde ele atendia e num ímpeto de ousadia, marcou uma consulta. Um médico famoso, muito requisitado, cujo valor cobrado era uma exorbitância. Isto, porém, não a fez recuar.

Semanas de espera, ansiedade e muita fantasia. O que diria para ele? Deveria pensar em algo, inventar um problema qualquer. Afinal, se marcara a consulta, é porque precisava de ajuda. Resolveu criar um personagem, assim como num filme. Inventaria uma história e exporia seu drama. Dupla personalidade, talvez tripla, quem sabe! Não seria difícil convencê-lo, fingindo um comportamento ambíguo e desequilibrado - presumiu Joana, animada.



Finalmente, chegou o dia. 

Entrou na sala, bastante nervosa, preocupada em não esquecer o texto ensaiado. 

Quando viu-se frente a frente com seu amor, as pernas tremeram e seus sentimentos anteriores se confirmaram. Ele era realmente o que seus sentidos lhe diziam e muito mais.

Alheio a este vendaval de emoções, doutor Kessler iniciou fazendo algumas perguntas de praxe. 

Por sua vez, acomodada em uma poltrona muito macia e confortável, Joana, em disfarçado êxtase, preparou-se para ser analisada.

Ouvia tudo, como num transe. Queria ficar ali, naquela poltrona, escutando aquela voz maravilhosa. Precisava ser extremamente convincente, para que fosse marcada uma nova consulta. Contava com isso. Falou então de suas personalidades conflitantes, das vozes em sua mente, dos desejos suicidas, das paranoias, de sua fixação pela morte, do seu inusitado gosto por sangue e de uma vontade demoníaca em ferir quem estivesse próximo.

Talvez tivesse exagerado um pouquinho ao descrever os sintomas, mas estava tão desesperada diante da possibilidade de nunca mais vê-lo, que seguiu seu plano e falou, falou...  

Encerrado o tempo, para sua satisfação, agendaram uma nova data. Doutor Kessler disse ser ainda prematuro firmar um diagnóstico sobre seu caso. Ela, concordou de imediato. Sairia mais caro do que seu salário suportava. Daria um jeito. Estava apaixonada de forma arrebatadora. Não queria ser curada, queria ser eternamente analisada por ele. A cada seção, revelaria sentimentos ainda mais delirantes e catatônicos.

Na próxima consulta, Joana extrapolou em narrativas, evidenciando sua personalidade psicótica. Doutor Kessler escutava, atento, fazendo anotações, vez ou outra. 

Sem perceber a seriedade da situação, Joana continuava seus relatos.

Durante meses compareceu ao consultório, para ficar perto de seu analista. Desfiava suas histórias, ricamente detalhadas, antecipadamente estudadas. Não queria interromper o tratamento, tinha de fazê-lo deduzir que seu caso era grave, só assim poderia vê-lo continuamente. 

Obcecada, não conseguia mais se soltar da teia em que se enredara. 


Um dia, doutor Kessler a recebeu com uma expressão mais compenetrada e anunciou a novidade. Finalmente, concluíra seu diagnóstico: esquizofrenia paranoica. 

Joana até sorriu, desnorteada.

— Sinto informar-lhe que o tratamento requer internação imediata. Minha equipe já foi acionada e deve levá-la agora mesmo para o Hospital Psiquiátrico, onde ficará sob cuidados extremos, até termos certeza de que não representará mais nenhum perigo para si e para a sociedade. Não se preocupe, cuidaremos bem de você.

Em seguida, dois homens entraram e a conduziram, em estado de choque, para uma ambulância que aguardava em frente ao consultório.

Tentou durante meses provar sua sanidade mental, até desistir, acreditando que realmente tinha enlouquecido e aquele era mesmo seu lugar, dali em diante.

Se ao menos seu amor fosse visitá-la, teria suportado a clausura e a convivência entre tantos dementes. Isto tinha sido o pior - ficar sem ele foi o seu fim.

Joana nunca mais o viu.

Durante a noite, gritava que o amava e um dia ainda ficariam juntos. Seus gritos ecoavam pelas alas. Seu pranto não comovia ninguém. 

Parou de comer. E quando lhe forçavam a alimentar-se, vomitava. Perdera seu amor. Perdera seu alimento.

Não resistiu um ano naquelas condições e faleceu, sem conseguir esclarecer aquele equívoco.

"Fiz por amor" - repetiu, vezes e vezes, antes de silenciar por completo. 



22 comentários:

  1. Quando Joana viu
    De cabelos grisalhos
    Para eles sorriu
    Com os seus doces lábios.
    Olhar inteligente
    Tranquilidade plena
    Sincera e transparente
    Vir aqui valeu a pena.
    Rosa mattos visitar
    Resto de bom domingo
    para você, e um abraço
    até eu voltar.
    Eduardo.

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  2. Quando se assume tão fortemente outra personalidade, pode acabar-se por sê-la mesmo...
    Uma história interessante, dramática, e com uma excelente narrativa.
    Gostei muito.
    Minha querida amiga Rosa, tem uma boa semana.
    Beijo.

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  3. Uau que história miguinha ..me prendeu do inicio ao fim....e que final triste dela...e ele coitado nem soube que ela estava de quatro ..cinco por ele kkkkkkkkkkkkkkkkkkk
    Lindona..uma feliz semaninha
    farei todas as segundas uma homenagem para nossos amiguxos da net..e tb claro tomar um belo café da manhã comigo...aparece beijus fique com os anjinhos fuiii!!

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  4. Rosa, muito boa a historia, visto que eu conheci mãe e filha com tal disturbio, infelizmente quando colocavam algo na cabeça viviam aquilo. Era terrivel. A filha foi internada algumas vezes.

    Beijos e boa semana.

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  5. Joana poderia simular a esquizofrenia, mas, ao assim fantasiar uma paixão irreal, estava louca, sim!
    Fez-me imensa impressão o teu conto!
    Muito bem contruído!
    Parabéns.

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  6. Uauu, é assustador! Apesar de ser uma história, existe pessoas assim que confundem amor que só nos enriquece com paixão que nos enlouquece. Confesso que sempre tive um pouquinho de medo de achar alguém desse jeito no meu caminho, alguém que cismasse comigo e que saísse da realidade por causa da sua insanidade.
    É um conto triste mas muito bem executado.

    Beijo

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  7. Olá Rosa.
    Seu conto é rico em detalhes, mas eu jamais iria morrer por amor. Como dizem" Nem morta"rsrs
    Um conto gostoso de ler e querer ler depressa para saber qual será o final.
    Parabéns
    Beijos
    Lua Singular

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  8. Lindoi conto e há realmente casos assim que julgam que por amor tudo vale! beijos,chica

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  9. Querida
    Assumir personalidades diferentes é um exercício que pode resultar numa mais forte.
    Uma História com muito "miolo" para se desenrolar (quase) em meditação.
    Belo trabalho.
    Parabéns.

    Beijos


    SOL

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  10. Rosa,

    Tem pessoas que se apegam a uma situação de proximidade que atrapalha muito a convivencia, seja de trabalhos terapeuticos ou mesmo educacionais.

    Bjs

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  11. doidinha de pedra e nem sabia!! Como sempre..eletrizante e cativante seus contos...adore!! beijinhos pra vc querida!!

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  12. Você tem talento *u* Gostei muito do conto.

    Beijos
    Pepper Lipstick

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  13. Querida Rosa
    O seu conto prende a nossa atenção do princípio ao fim...ou não se tratasse de uma história de amor.
    Quando dizemos ,vezes sem conta ,uma mentira (ou várias) acabamos mesmo por acreditar nelas que, por sua vez, acabam por fazer parte de nós.
    A amiga Rosa tem muito talento. Continue. Muitos parabéns.
    Uma boa semana.
    Beijinhos da
    Beatriz
    Blog-Vida e Pensamentos
    http://pegadasdeanjo.blogspot.com

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  14. Olá , passei pela net encontrei o seu blog e o achei muito bom,
    li algumas coisas folhe-ei algumas postagens,
    gostei do que li e desde já quero dar-lhe os parabéns,
    quando encontro bons blogs sempre fico mais um pouco meu nome é: António Batalha.
    Deixo-lhe a minha bênção.
    E que haja muita felicidade e saúde em sua vida e em toda a sua casa.
    PS. Se desejar seguir o meu blog,Peregrino E Servo, fique á vontade, eu vou retribuir.

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  15. Lindo conto de amor Rosa.

    Sabe,estou achando engraçado,tenho seu link há tempo em meu blog,e não a vejo como minha seguidora e também não consto em seu quadro de amigos.Ná época coloquei que era mais uma amiga que estava chegando;não sei o que aconteceu!!!Mas aquí estou para lhe dizer que seu blog é lindo de viver.
    bjs
    Carmen Lúcia-mamymilu.blogspot.com

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  16. Nossa, será que existe alguém que fique tão obssecado por outro assim ao ponto de ir à loucura? Impressionante a história e sua criatividade amiga Rosa, parabéns incrível. Bjus

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  17. Uma história triste e comovente, ela era sim doente, inventar e pagar o valor de uma consulta mais que seu salário, ela precisava se tratar mas exagerou em seus relatos e deu no que deu.
    Bj querida!

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  18. Envolvente.
    Eu não queria ler toda a história, não tinha tempo.
    Mas li até o fim praticamente sem respirar.

    Muito bom!!
    Parabéns, minha irmã.

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  19. Quanto talento querida Rosa, sempre nos envolvendo em seus contos.
    Parabéns querida amiga.
    Grande beijo em seu coração.

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  20. Rosa Mattos

    Gosto de contos seja ficção ou não.
    Lembro-me de Rachel de Queiroz, Fernando Sabino, Carlos Drummont de Andrade, Rubens Braga, Paulo Mendes etc.
    Contos são o MP3 da literatura
    O seu conto vive momentos de uma psicose amorosa.
    No excesso e na falta desse ato criam-se uma gama de humanos doentes
    Um conto/estória no aprendizado da vida.
    Parabéns.

    Mochiaro/rio de janeiro

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  21. Belo conto! Sinceramente, acho que o médico acertou no diagnóstico. Esquizofrenia paranoica - um dos vários nomes do amor...

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  22. Olá Rosa!

    Excelente conto!
    Parabéns! A meu ver, Joana estava mesmo louca. O diagnóstico do médico foi certeiro. Como dizemos aqui em Portugal, Joana era completamente passada!

    Um beijo,

    Cris Henriques

    http://oqueomeucoracaodiz.blogspot.com

    http://jakeemary.blogspot.com

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