domingo, 25 de setembro de 2016

Minha visão psicodélica



Sou míope. Uso óculos desde a adolescência. Pois bem, tempos atrás descobri que minha miopia progredira (em diferentes graus para perto e para longe), mas nada alarmante, e por isso teria de usar óculos com lentes multifocais. Até aí, nada demais. Com a receita em mãos, passei numa ótica e mandei fazer, desta vez com tecnologias antirreflexo e fotossensível.

No dia em que fui retirar os óculos novos, fiz os ajustes necessários e já saí com ele, toda contente pelas ruas.

Poucos metros depois o chão foi sumindo, desaparecendo a cada passo que eu dava. Olhei para cima, a sensação normalizou. Respirei fundo e segui em frente.

Ora, eu sou uma pessoa determinada, não iria me render a um parzinho de graus, cuja função seria me auxiliar a ver o mundo melhor e com mais nitidez! Continuei andando, apesar da dificuldade em enxergar direito.

O calçadão da Praça da Alfândega, com aquelas pedras de desenhos sinuosos, não me ajudava muito. Melhor assim. Seria um bom exercício. Até chegar em casa eu tinha mais uns setecentos metros, em linha reta. Moleza! - pensei. A vendedora ressaltou que muitos não se adaptam com esse tipo de lente e acabam por mandar fazer dois pares de óculos, um só para perto, outro só para longe. Disse também para eu retirá-los, caso sentisse tonturas, enjoos, dores de cabeça, visão embaçada, enfim, qualquer tipo de mal-estar.

Não e não! Persistência eu tenho de sobra. No íntimo, achei aquilo desafiador. Fui em frente. Minha visão em ondas. A superfície ficava ausente e retornava. Meus pés tocavam o chão como se ele fosse areia movediça. Uma sensação estranhíssima olhar para baixo e tudo se mover, desaparecer, ressurgir, num ir e voltar incessante. Os saltos tocavam o solo e para espantar a sensação de desequilíbrio, eu olhava para o alto. Acontece que caminhar sem olhar para baixo é quase impossível. E essa visão para cima e para baixo é tão normal e involuntária que nem percebemos sua importância.

Mesinhas na calçada, como é de costume no horário do almoço, em parte daquele meu trajeto diário, só tornavam tudo ainda mais complicado.

Eu parecia grogue e fui caminhando assim até chegar no prédio.

Entrei no edifício me sentindo a tal, como se eu tivesse vencido um grande obstáculo. Fechei a porta e quando fui subir os seis degraus que dão acesso ao corredor dos elevadores o piso se enroscou, ficou todo enroladinho em espiral e os degraus simplesmente foram sugados para os confins de lugar nenhum. Que escadinha doida! Caí, quebrei os óculos novos e ainda machuquei um pouquinho o meu rosto. Ok, essas coisas acontecem.

Só não caí de cara nos degraus porque tenho uma tendência natural em proteger o meu lado direito. No mesmo instante em que senti a vertigem, inclinei instantaneamente o corpo para a esquerda, na medida em que ia procurando o chão. Não fosse isso... sei não.

Fui agir com teimosia e deu no que deu. Ainda bem que ninguém testemunhou minha queda. Quer dizer, só as câmeras do circuito interno registraram o meu voo solo.

Aprendi nesse dia uma dura lição de prudência. Na próxima troca de lentes, já estarei mais precavida, sabendo por experiência própria que do equilíbrio para o desequilíbrio é um passo, com uma tontura no meio. 

Mais tarde, descobri que o prejuízo não foi dos maiores, pois só uma das lentes sofreu avaria com o impacto e teria de ser substituída. Na verdade ela nem chegou a quebrar, só trincou de uma extremidade a outra. Se eu tivesse comprado o modelo com lentes mais resistentes (e bem mais caras!), isso não teria acontecido, disse-me a vendedora, quando fui lá explicar o ocorrido e providenciar o conserto.

Sim, o barato sai caro. Reaprendi essa velha lição também.

Tonta, segurei os óculos nas mãos com firmeza, limpei umas gotinhas de sangue de um cortezinho bobo no canto do olho esquerdo, e fui tateando até o meu apartamento.

Entrei finalmente em casa. Ah! Lar, doce lar!

Catei a localização precisa do sofá e me sentei nele. 

E fiquei pensando, pensando, em como deve ser difícil sair pelas ruas sem enxergar absolutamente nada.


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18 comentários:

  1. Olá, Rosa...verdade,aprendeu duas boas lições, prudência e que o barato sai caro...confesso que foi o meu caso, tive enormes dificuldades de adaptação e antes que ocorresse o que aconteceu , cair, quebrar os óculos novos e machucar , acabei mesmo por mandar fazer dois pares de óculos, um só para perto, outro só para longe. Hoje em dia, nem estou usando óculos,fiz cirurgia.Ah sim,também era miopia!Belos dias!

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  2. Também tenho que usar lentes progressivas.
    E a sensação, quando se utilizam pela primeira vez, é essa mesmo - tonturas e o chão que fugiu debaixo dos pés.
    Boa semana

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  3. É estranho, não usei óculos por muito anos, ainda bem, dirigia pelas ruas à noite a 130 por hora com meu marido quase a morrer. Morreu depois de 3 anos.
    Comei a usar óculos para perto, os graus estão aumentando e a idade também e o de longe quase não uso, nem dirijo mais
    Fiz 5 cirurgias a lazer e melhorou bastante. Tive trombose na retina. Uma noite toca o telefone, uma das minhas irmãs havia morrido longe da minha cidad e lá fomo e quando a vi no caixão senti um aperto no peito. Demorou uns três meses pra perceber que as letras estavam todas tortas.
    São coisas da vida
    Beijos
    Lua Singular
    Vá ao meu outro blog tem um lindo presente para todos vocês.Minicontista2

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  4. Tive que rir,Rosa! Isso acontece!Mudanças de grau fazem isso e precisamos nos ajustar! bjs,chica

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  5. Rosa eu uso óculos,pois a idade permite que é hora de usá-los.rs
    Graças a Deus ainda não senti o que você sentiu,pois não mudei para outro tipo de óculos,mas sei o quanto é difícil essa adaptação
    Bjs,obrigada pela visita e uma ótima semana.
    Carmen Lúcia.

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  6. Oi, Rosa, uma crônica interessante pois de um fato estressante você colocou com ironia as mazelas de uma adaptação aos óculos bifocais...tem gente que não se adapta nunca e diante dos problemas é preferível ir pelo seguro . De qualquer modo pensando pelo lado bom...chegou sã e salva.
    Um abraço

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  7. Rosa, aquelas pedrinhas d calçadão da Praça da Alfândega também me tiram o sossego, quando ando com óculos multifocais, que me dão a impressão de desnível (minha preferência para andar na rua são os óculos de grau para a distância (para longe, como sempre digo). Gostei muito de tua crônica (como sempre).
    Abraço.
    Pedro.

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  8. Rosa, aquelas pedrinhas d calçadão da Praça da Alfândega também me tiram o sossego, quando ando com óculos multifocais, que me dão a impressão de desnível (minha preferência para andar na rua são os óculos de grau para a distância (para longe, como sempre digo). Gostei muito de tua crônica (como sempre).
    Abraço.
    Pedro.

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  9. Olá Rosa, td bem?
    Obrigado por me visitar e deixar o seu comentário, fiquei muito feliz!
    Depois volto com mais calma pra ler os seus textos e poemas!
    Bjs, Alécio

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  10. Olá Rosa, td bem?
    Obrigado por me visitar e deixar o seu comentário, fiquei muito feliz!
    Depois volto com mais calma pra ler os seus textos e poemas!
    Bjs, Alécio

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  11. rsss, fiquei imaginando a cena, pois passei coisa semelhante e não me adaptei. Também sou míope (com orgulho e fé!), então para ler, tiro os óculos. Enxergava até a alma dos outros! Porém, aquelas bulas, que me orgulhava de enxergar, não consigo mais. Preciso fazer outra geringonça dessas, tem uma lente muito moderna, que abre o campo mais do que outras. Já andei vendo...
    Adoro tuas histórias! São hilárias.
    Beijo!

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  12. Pelo belo texto delineado, vivido ou imaginado, mostra que sua alma enxerga muito além. Grato pelas visitas. Abraços.

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  13. Este comentário foi removido pelo autor.

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  14. Oi Rosa, como vai querida?
    Que crônica da vida real, ficou perfeita!!!

    Temos algo em comum: também sou míope..rsrs
    Usei óculos dos 13 aos 16 anos e logo após me adaptei às lentes de contato...
    Iniciei com as gelatinosas e depois uma famigerada úlcera de córnea me tirou de combate e tive que me adaptar às lentes duras. Estas pareciam areia nos olhos: dolorosas demais!!
    Mas não desisti... e fiz uma cirurgia de correção da miopia, e fiquei com 7O% de visão.
    Ou seja, os óculos precisariam me acompanhar a vida inteira!
    Atualmente os uso tão somente para trabalhar e já estou notando que minha visão está se enfraquecendo... Vou precisar de uma nova consulta e, via de consequência, novo par de óculos..rsrs
    Espero que não precise ser multifocal, pois eu cairia mais do que dura amiga...rsrs
    Fico tonta de andar de carro, imagine com um par de óculos como os seus...rsrs

    Mas o importante é que não se machucou gravemente e que manteve o bom humor todo o tempo!
    A vida é não desistir jamais!!!
    Parabéns pela persistência e pela crônica fantástica!!
    Desejo uma semana maravilhosa!!
    Beijinhos!! :)))

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  15. E a sensação de quem usa esse tipo de lentes, é mesmo assim...
    Minha mãe tentou em tempos... e teve que mudar para dois pares, que mantem até hoje... pois ela sempre teve uma tendência natural para ter tonturas... e a perda de equilíbrio, usando este tipo de lentes, era muito mais acentuada!...
    Não sei se a experiência descrita, foi real, ou ficcionada... mas adorei o texto!
    Beijinhos! Boa semana!
    Ana

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  16. Rosa, que história! Gostei muito do seu relato e confesso que prefiro dois óculos pq não me adaptei com multifocal. Espero que vc consiga! Minha irmã usa e adora. bjs,

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  17. Sei que já comentei essa crônica, mas vim atrás dela pois fiz óculos novos e lembrei de ter lido algo meio estapafúrdio por aqui! rsss
    Minha miopia desapareceu, mas não acreditei, fiquei em dúvida até pegar os óculos ontem... duvidei da oftalmo! Mas peguei ontem e to feliz da vida; com um óculos pra perto e outro para estigmatismo, só!!!
    Volto depois para ler o novo conto. Mas adoro tuas crônicas... são hilárias.
    Beijo.

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    Respostas
    1. oi Tais, bem-vinda de volta ao post. hehe* Coisa boa saber que tua miopia regrediu. Aleluia! \o/ A minha só aumenta. Mas depois dos incidentes iniciais eu acabei me adaptando com o multifocal. rs Obrigada! =)

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